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Cecil Rivière: o cabo submarino em Portugal

Cecil Harold Rivière. Nasceu a 4 de Abril de 1894. O livro é a sua biografia escrita por uma neta, Sue Dormer, relatando o que foi a vida daquele engenheiro da Western Telegraph Company, onde iniciou funções, como estagiário, aos dezasseis anos, iniciando o seu treino em Porthcurno no ano seguinte. O local, situado na Cornualha é designado pelo símbolo PK nos códigos de comunicação, e nele está instalado um Museu das Comunicações Globais. Ver aqui.

Em 1912, estando se turno teria recebido o primeiro SQD [posteriormente denominado SOS], o sinal de socorro emitido pelo Titanic, captado em Porthcurno porque, a autora recorda, a companhia havia ali criado uma unidade de escuta das comunicações rádio difundidas e recebidas via hertziana  pela empresa do italiano Giuglielmo Marconi a partir da uma estação que havia instalado ali próximo, em Poldhu , e que articulava com uma outra com base na Terra Nova. [ver esta particularidade aqui].

Se bem que o livro de Sue Dormer o não explicite é hoje adquirido que a tarefa de espionagem esteve a cabo de Nevil Maskelyne [1836-1924, não confundir com o astrónomo com o mesmo nome], um mágico interessado pelo tema das comunicações via rádio e conheceu momentos pícaros [ver aqui e sobretudo aqui] sobretudo porque o objectivo da actividade clandestina era comercial, visando pôr em causa um dos argumentos de Marconi quanto à sua rede telegráfica, o da natureza secreta das mensagens por ela transmitidas. Ao interceptá-las e difundi-las, Maskelyne comprometia a solidez da garantia e salvava o nicho de negócio do cabo submarino, sustento da Western.

Estação Marconi em Poldhu

Interessante que na sua vida nómada tenha tido estadias por territórios portugueses incluindo uma das ex-colónias no desempenho das suas funções no domínio dos cabos telegráficos submarinos. Na altura era a forma de comunicação transatlântica possível, ainda incipiente a radiodifusão e a anos-luz da comunicação via satélite. O mapa da extensa rede, colocada no fundo dos mares a partir de navios impressiona pelo esforço o custo que lhe foi inerente.

Cecil esteve colocado na Madeira (entre Maio de 1912 e Fevereiro de 1913), em Cabo Verde – São Vicente (entre Setembro de 1913 e Fevereiro de 1917), de novo na Madeira até Março de 1918, aonde retornou para uma curta permanência entre Setembro e Outubro de 1921, após a qual foi de novo recolocado, até Junho de 1922, em Cabo Verde, regressando à  Madeira entre Agosto de 1924 e Fevereiro de 1925.

Não se ficou por aqui, nem a sua presença pelo nosso território, nem a natureza itinerante das suas andanças. Entre Junho e Setembro de 1925 esteve em Carcavelos, uma das estações chaves da rede de comunicações da companhia e onde o primeiro cabo submarino foi instalado em 1870 e 1897.

Estado actual do edifício da estação de cabo submarino em Carcavelos

O edifício de Carcavelos está hoje em ruínas, como o testemunhou Gastão Freire de Andrade de Brito e Silva no seu blog RUINART  [ver aqui]

Depois de uma breve ausência, em virtude da morte de seu pai, Henri Gonzague Rivière, Cecil regressaria no mês seguinte a Carcavelos onde permaneceria até Abril de 1926, sendo transferido para os Açores – Faial em Maio desse ano e onde permaneceria até ao mês de Setembro.

Tendo casado a 9 de Outubro de 1926, com Muriel Gertrude Elsie Lynn Robinson, estaria de novo na Madeira entre Outubro de 1926 e Abril de 1927, já acompanhado de sua mulher, de onde viajaria para Cabo Verde, para instalar ali o novo sistema de retransmissão automática de mensagens telegráficas.

 

De facto, até então cada mensagem transmitida pelos cabos de cobre tinham de ser recebidas por postos intermédios e de novo replicadas para o posto seguinte, o que não só alongava a duração do processo de transcrição e reprodução por radiotelegrafistas manuais, como gerava erros de percepção e resultantes da distorção do sinal.

Ora nos anos vinte entrou em funções um novo sistema, o “Regenerator System” (Regen), o qual entrou em prática na companhia em 1923 que procedia à retransmissão automática dos pontos e traços do Código de Morse utilizados no tráfego telegráfico. Eram os repetidores.

 

Chave de Morse com duas teclas, permitindo alternar entre  o ponto e o traço [dot-dash], os únicos símbolos em que eram convertidas as letras do alfabeto e os números, sistema inventado pelo pinto Morse [1791-1872] e utilizado nas comunicações telegráficas

Em 1928 a Western, que resultara em 1880 da Brazilian Submarine Telegraph Company seria incorporada na Imperial & International Communications Ltd., o mesmo sucedendo à Eastern Telegraph Company, à Eastern Extension Company, à Marconi Telegraph Company e a trinta e cinco outras empresas do sector.

A nova entidade seria redenominada Cable and Wireless Ltd. Já ao serviço desta empresa, e depois de uma comparativamente longa estadia em Inglaterra entre Agosto de 1929 e Agosto de 1932, onde alcançou o posto de supervisor da escola onde fizera a sua formação, regressaria a Cabo Verde – São Vicente, onde permaneceria entre Janeiro de 1932 e Março de 1935 e aonde regressaria entre Março de 1938 até Abril de 1939.

Seria nesse ano que seria colocado em Singapura, onde se daria a parte mais dramática da sua vida. Com a queda do território, em virtude da ocupação japonesa, conseguiria escapar conseguindo um lugar no navio HMS Grasshopper, o qual seria, entretanto bombardeado e afundado em Fevereiro de 1942. Permaneceria prisioneiro em Sumatra até ao fim da guerra em condições muito penosas, conhecendo vários campos de internamento.

Faleceria a 21 de Julho de 1989. Obra de amor, o livro é, simultaneamente um testemunho histórico interessante.

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NOTAS: para mais detalhes sobre o cabo atlântico ver aqui e sobre cabo submarino em Portugal, ver aqui e também aqui. Nos arquivos da Madeira foi conservada documentação sobre o tema [ver aqui]. Mário Eurico Lisboa publicou em 2009 um livro intitulado A Estação do Cabo Submarino de Carcavelos: uma presença inglesa – vivências e evoluções.